Em 1967, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) tomou pra si o "novo Rio-São Paulo", na ocasião, o Torneio Roberto Gomes Pedrosa (Robertão), que era comandado pelas federações carioca e paulista. Um dos grandes motivos foi a possibilidade de caminhar para a criação do Campeonato Brasileiro, fundado em 1971, muito pela atratividade de renda e público, que foi, é e sempre será um critério essencial em todas as decisões do futebol.
E é sobre o futebol brasileiro da década de 70 estamos falando! O Brasil vivia o período de ditadura militar e o esporte preferido do país era um objeto nas mãos dos "políticos" para se aproximarem do povo. Nesse período, uma das frases mais marcantes foi "Onde a Arena vai mal, um time no Nacional", que indicava os atos da ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido de sustentação da ditadura militar que agia pelo fortalecimento de clubes em torneios "nacionais", como instrumento de popularidade e apoio "político".
Entre 1969 e 1974, o Brasil foi "liderado" por Emílio Garrastazu Médici, ditador e general militar, gaúcho torcedor do Grêmio e que se aproximou do Flamengo, onde para muitos, foi uma jogada populista. Em 1971, foi criado o Torneio General Emílio Garrastazu Médici, o popular Torneio do Povo, que tinha como finalidade, reunir os clubes de maiores torcidas do país ou dos principais centros esportivos do país, como Flamengo, Corinthians, Internacional, Atlético-MG, Bahia e Coritiba.
Concretamente, não se sabe como foi fundado a competição, quem foram os fundadores oficiais, se partiu totalmente dos líderes antidemocratas ou partiu dos clubes que se intitulavam como "Time do Povo", mas certeza é que houve três edições, em 1971 (vencida pelo Corinthians), em 1972 (vencida pelo Flamengo) e em 1973 (vencida pelo Coritiba). A competição tinha o prestígio de grandes clubes, grandes jogadores, grandes estádios e lógico, grandes torcidas. Muitos outros clubes e centros tiveram interesse em participar e em 1974, quando a CBD viu-se na possibilidade de não ser disputado o Brasileirão daquela ano, foi cogitado um Torneio do Povo ainda mais robusto.
Popularmente mas também sem informações factuais, é falado que as edições de 1971 e 1972 não foram organizadas, reconhecidas e/ou com chancela da CBD, todavia que em 1973 a confederação oficializou e até organizou o torneio, o que faria o Coritiba ser campeão nacional de 1973 de forma oficial, assim, o clube paranaense teria 2 títulos nacionais de elite, a última edição do Torneio do Povo e o Campeonato Brasileiro de 1985.
O FQ foi atrás de algumas informações numa pesquisa prévia e que ainda precisa de mais profundidade, mas achou comprovações que a CBD organizou e oficializou o Torneio do Povo de 1973, mesmo que oficialmente não estivesse constando no calendário federativo. A seguir, recortes de jornais da Hemeroteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional.
Ação jurídica e oficialização verídica: Um episódio de atrito jurídico entre Bahia e Flamengo foi primordial para saber se o Torneio do Povo de 1973 foi oficial ou amistoso. Entenda o contexto:
Quando um jogador era expulso em amistoso, a regra dizia que o mesmo devia cumprir suspensão em jogo oficial, ou seja, se o próximo jogo fosse amistoso, o atleta poderia atuar e se o jogador for expulso em jogo oficial, devia cumprir suspensão no próximo jogo oficial, assim, suspensões eram "pagas" apenas em jogos oficiais. No dia 13 de fevereiro, o Bahia venceu o Corinthians por 1 a 0 e teve o zagueiro Washington expulso. Em 21 de fevereiro, na estréia do quadrangular final do Torneio do Povo, o Bahia recebeu o Flamengo e no empate em 1 a 1 na Fonte Nova, o tricolor utilizou Washington, fazendo que os flamenguistas cogitassem ir ao Tribunal Especial para pedir os pontos da partida. O detalhe é que um ano antes, o Flamengo realizou a mesma ação, pondo o atleta Rodrigues Neto em campo um jogo após expulsão, o que segundo publicado no Jornal do Brasil (RJ), o Bahia escalou seu defensor "sob a alegação de que, no ano passado, o Flamengo teria colocado Rodrigues Neto nas mesmas condições". A posição oficial do Flamengo, através do seu representante no caso, Hélio Maurício, é de que o Torneio era oficial.
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| O Jornal (RJ) - 10 de março de 1973 |
O veículo O Jornal (RJ) publicou a entrevista de Dante Manuel, superintendente do Flamengo, que frisou:
"Uma competição como esta não pode deixar de ser oficial, pois envolve seis federações estaduais. Se fosse só a Carioca, aí sim, mas o regulamento diz que ele pode ser oficializado desde que envolva mais de duas federações"
O dirigente rubro-negro também afirmou:
"Para o Bahia, o Torneio não é oficial, pois não faz parte do calendário da CBD. Isso é bobagem. Afinal, todos os recursos e julgamentos são feitos pelo Tribunal Especial da CBD"
E essa fala é correta, pois no fim, o que importou foi a decisão e resolução do Conselho Esportivo, do Tribunal Especial e da própria CBD, que decidiram o Torneio do Povo como oficial, assim como os campeonatos estaduais.
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| Jornal do Brasil (RJ) - 22 de fevereiro de 1973 |
O Flamengo acionou o pedido de informação à CBD para saber de vez se o Torneio do Povo de 1973 era ou não oficial segundo a posição da entidade, tudo isso com dois intuitos: uma possível punição ao Bahia e a legalidade na utilização do atacante Paulo Cézar Caju (na época ainda chamando apenas de Paulo César) contra o Olaria pelo Campeonato Carioca. Paulo Cézar foi expulso no confronto contra o Bahia e o rubro-negro, certo que o Torneio do Povo era oficial, deixou o atacante de fora na rodada seguinte do Torneio do Povo, contra o Coritiba, em que foi derrotado por 0 a 1 em 25 de fevereiro. No dia 23 de fevereiro, a CBD publicou uma resolução indicando o Torneio do Povo como oficial, fazendo que Paulo Cézar já tivesse cumprido a punição ante o Coritiba, provando que o Torneio do Povo não foi amistoso.
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| Diário de Notícias (RJ) - 14 de março de 1973 |
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| Diário de Notícias (RJ) - 14 de março de 1973 |
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| Diário de Notícias (RJ) - 14 de março de 1973 |
Contra o Coritiba, pelo Torneio do Povo, o técnico Zagallo escalou Chiquinho no lugar de Paulo Cézar, pois os flamenguistas sabiam que os paranaenses iriam acionar a justiça esportiva em caso de escalar um jogador suspenso em jogo oficial:
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| Jornal do Brasil (RJ) - 24 de fevereiro de 1973 |
Curiosidade: pra variar, a entidade máxima do futebol brasileiro já tinha contradições e palavras sobre palavras desde o século passado. Nesse caso Paulo Cézar, o então presidente da CBD, João Havelange, apontava o Torneio do Povo como amistoso, mas sua função era administrativa, com o dirigente estando longe de está por dentro de todas informações minuciosas do futebol, ainda mais do departamento jurídico, que liderado por Valed Perry, a CBD informou que o Torneio do Povo era oficial. A explicação e decisão final ficou entre o Tribunal Especial e o Conselho Nacional de Desportos, que julgaram e a CBD, que já tratava como oficial através do seu consultor jurídico Valed Perry, acatou as decisões e publicou a resolução.
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| Jornal do Brasil (RJ) - 13 de março de 1973 |
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| Jornal do Brasil (RJ) - 14 de março de 1973 |
Presença oficial da CBD: Na última rodada do Torneio do Povo de 1973 entre Bahia e Coritiba, que definiu o título ao alviverde, José Elias Giuliari, presidente da Federação Catarinense de Futebol, viajou a Salvador. O dirigente foi o representante da CBD para a cerimônia.
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| O Estado de Florianópolis (SC) - 20 de março de 1973 |
Prestígio: com a possibilidade de não haver disputa do Brasileirão em 1974, o Torneio do Povo no que seria a sua 4ª edição, ganharia mais 4 participantes, chegando a um total de 10 clubes, o que mostra a relevância da competição.
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| Diário do Paraná (PR) - 20 de fevereiro de 1973 |
Esses materiais comprovam que o Torneio do Povo de 1973 foi um torneio oficial, julgada, considerada e oficializada pela CBD e esferas especiais do esporte, então, o Coritiba é campeão nacional de 1973 e duas vezes campeão nacional de elite, com o troféu em 1973 e o Campeonato Brasileiro de 1985.
E agora, o que fazer?
No início da década de 1980, a CBD descentralizou seus serviços, transformando seus departamentos em confederações independentes, o que gerou o seu fim e consequentemente o início da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), tendo essa transição trazido diversos benefícios, assim como consideráveis malefícios, como perdas de informações, registros e documentações correspondentes a torneios outrora organizados pela entidade extinta.
Nesse sentido, alguns torneios criados pela CBD, na época idealizados e organizados de forma oficial e profissional, deixaram de ser contabilizados oficialmente pela CBF no momento da transição de organização entre entidades. Importa pontuar, portanto, que um torneio oficial da CBD não precisa ser reconhecido ou oficializado pela CBF para ter sua legitimidade, pois já é algo legítimo perante sua antecessora, contudo, pelo bem do futebol brasileiro e sua história, é necessário que a CBF passe a contabilizar essas disputas e conquistas no seu atual banco de dados, em respeito à História de um país já tricampeão do mundo e de soberania técnica antes mesmo de sua criação.
A atual entidade realiza trabalhos em redes sociais, em seu site oficial, em seus rankings e em suas listas oficiais, como escalar títulos e citá-los em postagens de parabenizações por aniversários das instituições, e por vezes, os títulos oficiais não são citados, muito pela falta de conhecimento existente não só na CBF, como em diversos setores do nosso futebol. Portanto, é essencial que os clubes vencedores procedam com a valorização de seus feitos históricos, transportando-os efetivamente ao presente, comemorando as datas e rememorando-os de diversas formas, com o intuito de um reconhecimento protocolar da CBF, para que esta passe a considerar os números e títulos das edições em suas bases de informações relacionadas aos torneios do Brasil.
Oficializar? Equiparar? Unificar?
Como já explanado, não precisa oficializar ou reconhecer, o que o Coritiba precisa tomar como atitude é fazer que a CBF conheça essas evidências, para que a confederação coloque em seu banco de dados mais um título nacional oficial de elite de seu passado e sempre escalar como um título oficial do Coritiba e da história do futebol brasileiro e em caso de rankings e levantamentos, gerar pontos ao coxa pela conquista, além de informar a Conmebol e a FIFA da sua legitimidade.
Não precisa equiparar com título algum, muito menos unificar, como o clube cogitou pleitear em 2010. Um processo de unificação parte de critérios minuciosos como finalidade, que é um dos principais critérios e somente esse já faz que o Torneio do Povo não foi pra época o que o Brasileirão, Copa do Brasil, Supercopa Rei é hoje ou o que a Copa dos Campeões já foi entre 2000 e 2002. A finalidade do Torneio do Povo foi reunir clubes de grandes massas de torcida nacional, é uma grande honraria popular e sua grandeza não precisa ser medida ou espelhada. O próprio rival do Coritiba, o Athletico, possui um título nacional de elite, esse que foi disputado de forma extraordinária, apenas uma vez, a Seletiva para a Libertadores de 1999, uma conquista que não precisa ser unificada, mas de finalidade clara, assim como o Torneio do Povo de 1973. Exemplos que títulos que podem e precisam ser valorizados de forma intocáveis.
O que o Coritiba não pode, é deixar uma geração vencedora ser esquecida. Deve exibir para a CBF que existiram títulos nacionais de elite no passado que precisam ser conhecidos pela entidade, assim como o Grêmio Maringá com o Torneio dos Campeões Brasileiros da CBD de 1969, o trio nordestino Sport, Ceará e Fortaleza com os Campeonatos Brasileiro do Norte de 1968, 1969 e 1970, o Atlético Mineiro com a Copa dos Campeões da Copa Brasil de 1978, o America (RJ) com o Torneio dos Campeões da CBF de 1982 e o Internacional com o Torneio Heleno Nunes de 1984.
Campanha do Coritiba no Torneio do Povo de 1973:
1ª fase - Fase de grupos (2º lugar e classificado pro quadrangular final):
Atlético-MG 1x2 Coritiba
Bahia 1x0 Coritiba
Coritiba 2x0 Flamengo
Coritiba 0x0 Corinthians
Internacional 1x1 Coritiba
2ª fase - Quadrangular final (líder do quadrangular; campeão)
Coritiba 1x0 Corinthians
Flamengo 0x1 Coritiba
Bahia 2x2 Coritiba
Títulos oficiais do Coritiba:
Campeonato Brasileiro: 1 (1985)
Torneio do Povo: 1 (1973)
Campeonato Brasileiro - Série B: 2 (2007 e 2010)
Campeonato Paranaense: 39 (1916, 1927, 1931, 1933, 1935, 1939, 1941, 1942, 1946, 1947, 1951, 1952, 1954, 1956, 1957, 1959, 1960, 1968, 1969, 1971, 1972, 1973, 1974, 1975, 1976, 1978, 1979, 1986, 1989, 1999, 2003, 2004, 2008, 2010, 2011, 2012, 2013, 2017 e 2022)
43 títulos: 4 nacionais (2 de elite e 2 de acesso) e 39 estaduais











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